Trabalho demonstra predomínio de textos alternativos que não descrevem por completo o design dos produtos apresentados
Defendida em 26 de julho, para a obtenção do título de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Letras (PLE), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), a tese de Grabriela de Souza Marques Valdevieso visou analisar se as descrições das imagens que constituem descritivos de produto são enunciados eficazes ao propósito de promover a acessibilidade a leitores não videntes.
Ela buscou também caracterizar o descritivo de produto, haja vista a transmutação criadora de que resulta, e categorizar os textos alternativos dos seis segmentos de produtos mais vendidos: o de perfumes, cosméticos e produtos de saúde; roupas e acessórios; decoração de casa; eletrodomésticos; livros e assinaturas; e o de telefones.
A pesquisa ainda teve o objetivo de discutir possíveis novas configurações dos descritivos de produto quando endereçados às pessoas cegas. A análise empreendida demonstra a prevalência de textos alternativos que não descrevem por completo o design dos produtos apresentados.
Conforme o estudo, o que se verifica, predominantemente, é um fazer tradutório e discursivo atravessado por barreiras atitudinais de generalização, padronização, ignorância, rejeição, negação e segregação. O que se espera com a pesquisa é que seja elucidado o papel da linguagem na promoção da ecologia de saberes em espaços digitais e ressaltada a importância dos aspectos dialógicos para práticas de Tradução Audiovisual (TAV) exitosas.
Orientada pelo professor Edson Carlos Romualdo, a pesquisa também avança no sentido de afirmar a necessidade de um tradutor formado para a elaboração de TAV de qualidade, assim como de profissionais cegos que possam servir de consultores.
De natureza multidisciplinar, o trabalho de Valdevieso tem como base teorias da Linguística, Tradução, Publicidade, Comércio e da Acessibilidade. Considera que, na década de 1990, o fenômeno da digitalização, iniciado nos Estados Unidos, promoveu mudanças em diversos campos de atividade, dentre eles o da Publicidade. A tese traz como título “Publicidade e acessibilidade para pessoas cegas: um estudo dialógico sobre a tradução interesmiótica de descritivos de produto de e-commerces brasileiros”.
Bakhtin
“Os gêneros discursivos publicitários, como enunciados concretos relativamente estáveis, tal qual propõe Bakhtin (2011), autor utilizado como base para guiar a discussão, passaram também por transformações em decorrência desse novo contexto sócio-histórico”, explica Romualdo. Mikhail Mikhailovich Bakhtin foi um filósofo e pensador russo, teórico da cultura europeia e das artes. Era considerado o “filosofo da interação” e a teoria dele constrói sempre a comunicação entre um “eu” e “outro”, e os enunciados são a liga dessa interação.
Conforme o professor, a venda face a face, a partir de uma transmutação criadora, deu espaço ao surgimento do gênero discursivo descritivo de produto, cuja finalidade consiste em apresentar um produto ou serviço a potenciais clientes, com vistas a vendê-lo. Enunciados desse gênero, de estilística multimodal, unindo a linguagem verbal e a visual, por sua vez, são endereçados a um público marcado pela diversidade, composto também por pessoas cegas.
“A transposição das imagens que constituem tais enunciados a partir de uma prática de tradução audiovisual (TAV) torna-se, pois, um desafio, e suscita pesquisas em diferentes áreas do conhecimento, da Linguística Aplicada à Tecnologia da Informação”, explana Valdevieso.
Uma vez que o direito à informação ficou assegurado pela Constituição Federal brasileira de 1988 a todos os cidadãos, anos depois, segundo recorda a autora da tese, foram publicados dispositivos legais especificamente voltados aos direitos das pessoas com deficiência, como o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Brasil, 2015).
Segundo Romualdo, entende-se que garantir o acesso à semiose imagética que integra descritivos de produto a interlocutores cegos é, antes de tudo, um compromisso com uma sociedade mais justa e menos excludente.
Parceria
Doutor em Letras, com estágio de pós-doutoramento na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Romualdo trabalha com Gabriela Valdevieso há 11 anos, desde a graduação da aluna. Entre os projetos desenvolvidos por eles estão a adaptação em braile de símbolos fonéticos e fonológicos do Português e a transposição para esse sistema, ambos direcionados às pessoas cegas, de um livro escrito por professores do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias, destinado à formação de profissionais em Letras.
Os dois já testaram com criança cega duas tecnologias assistivas – a leitura em braile e a leitura automática – comparando-as à luz da perspectiva interacionista.