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PEC destaca curso e projeto de produção cultural que reúnem estudantes, professores e artesãos indígenas

A Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade Estadual de Maringá (PEC/UEM), chama atenção para o Dia do Índio, 19 de abril. Para isso, traz ao conhecimento das pessoas duas ações de extensão da UEM que envolvem a comunidade indígena da nossa região, professores e estudantes da nossa Universidade.

A primeira é o curso de extensão “Arte e Cultura Indígena: interações estéticas interculturais”, que está sendo realizado desde 2018, sob a coordenação da professora Sheilla Souza. A iniciativa tem a organização do professor colaborador Tadeu dos Santos Kaingang, do curso de Artes Visuais da UEM.

Segundo Sheilla Souza, “o projeto realiza estudos e atividades relacionados às culturas indígenas no Paraná. As ações envolvem indígenas, estudantes universitários, membros da Associação Indigenista, a Assindi de Maringá e a comunidade externa. As atividades de cunho investigativo, artístico e cultural abrangem diferentes manifestações. Um exemplo foi a pesquisa que teve como objetivo estimular a produção cerâmica entre indígenas Kaingang, da Terra Indígena Ivaí, por meio da aproximação de estudantes do curso de Artes Visuais da UEM”.

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Pandemia – Essas atividades, no entanto, tiveram que ser repensadas com a chegada da pandemia da Covid-19, que determinou o afastamento social e a suspensão das atividades presenciais na Universidade. “Tivemos que interromper a produção de cerâmica, que era realizada no Laboratório de Escultura na UEM e na Assindi. Iniciamos, então, um trabalho de criação coletiva entre estudantes do curso de Artes Visuais e Pedagogia, professores indígenas e não indígenas do Colégio Estadual Gregório Kaekchot, que fica na Terra Indígena Ivaí”, explicou Sheilla (foto acima).

A cocriação envolveu atividades de interação entre duplas formadas por um estudante de Artes Visuais da UEM e um professor Kaingang, com apoio da professora não indígena Raquel Rodrigues de Jesus, que também é docente no colégio indígena. Nas interações entre as duplas, que aconteceram em encontros virtuais e conversas pelo WhatsApp, o objetivo foi reunir informações e propostas para a pintura de um cesto Kaingang.

Os cestos utilizados são objetos antigos, que fizeram parte da exposição “Descobertas”, realizada em 2013, pela professora Sheilla. A ideia era que os cestos pintados em duplas pudessem ser apresentados em exposições virtuais e vendidos para arrecadar recursos para o povo Kaingang.

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Cinco grupos – Um dos grupos de produção reuniu Maria Vitória Neri, artista multimídia e estudante do curso de graduação em Artes Visuais; Sanda Kogróg Ninvaia Glicério, professora Kaingang do Colégio Estadual Gregório Kaekchot; e as professoras Raquel Rodrigues de Jesus e Sheilla Souza.

Kogróg é o nome em Kaingang da professora Sanda e significa “cachoeira”. “Por este motivo, a pintura do cesto, realizada de forma compartilhada e colaborativa, envolveu análises das relações entre o nome da professora, a cultura Kaingang e os processos de retomada dos valores ancestrais desta cultura indígena, na Terra Indígena Ivaí”, explica Maria Vitória (foto do cesto, acima).

O segundo grupo, formado pelos professores João Natalino Pantu, Tadeu dos Santos Kaingang e Sheilla Souza, trabalhou sobre o tema “História da Origem dos Cestos Kaingang: o repertório simbólico no campo da visualidade aplicados na cestaria indígena”. De acordo João Natalino Pantu (cesto abaixo), os primeiros Kaingang viviam da caça e da pesca. Aos poucos, esses alimentos foram desaparecendo. E precisaram criar alternativas para conseguir sobreviver. Inspirados no “pari”, uma armadilha feita de taquara para ser usada na pesca, começaram a produzir outros artefatos. Os primeiros foram os balaios.

“De início, eles [os balaios] eram usados na roça, para guardar milho, aipim... Depois os indígenas imaginaram que os não indígenas podiam querer. E foram apresentando os balaios para os moradores vizinhos. Começaram a trocar por um pouco de arroz e um pouco de feijão. Naquela época, a crise era enorme... Assim foram ganhando o pão de cada dia. As trocas chegaram até a cidade grande. E com o balaio surgiram outras ideias... as peneiras, as tigelas e muitos outros cestos diferentes”, contou o professor João Natalino.

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Cosmovisão – Segundo o professor Tadeu dos Santos Kaingang, para o pesquisador que busca construir processos etnográficos, os registros no campo da antropologia são importantes para trazer o contexto histórico e explicar o presente. “Os resultados das nossas pesquisas apontam para a imbricação profunda entre cultura material e a cosmovisão Kaingang, indicando a riqueza de conhecimentos a serem abordados em futuros estudos, necessários para que a arte indígena seja contemplada nas análises acadêmicas”, declarou o docente.

O terceiro grupo foi formado pela professora Kaingang Jussara Padilha e Isabella Pires Vertuam Martins. A dupla projetou a pintura do cesto a partir da ideia de trabalhar algo relacionado aos sonhos junto com a professora Raquel Rodrigues de Jesus. Utilizaram nas pinturas dois subgrupos Kaingang: Kamé e Kainru. Cada grupo tem suas marcas nas cestarias e nas pinturas corporais. A dos Kamé são compridas e as dos Kainru são redondas.

Destacando a origem de Jussara, a produção “evidencia a relação estreita entre os objetos e a identidade indígena, algo que não é conhecido de maneira geral pelos compradores dos cestos Kaingang. A ideia de sonho está presente na escolha da cor roxa, usada como base no cesto e reflete o desejo de imergir na atmosfera que envolve as narrativas ancestrais dos Kaingang, que deram origem a suas formas de viver”, explicou a professora Raquel.

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Técnicas – O quarto grupo conta com o professor Florêncio Rekáyg (foto acima) e a estudante Júlia Tiemi. Ambos pesquisam pigmentos naturais utilizados na cestaria tradicional Kaingang. Florêncio fez mestrado em Educação na UEM e é o único professor do grupo que não dá aula na Terra Indígena Ivaí, ele reside na Terra Indígena Rio das Cobras, também no Paraná. Júlia adotou a proposta de pintura do cesto que é uma homenagem ao avô de Florêncio, chamado Olegário Goj Than (foto abaixo).

“Goj Than significa ‘águas azuis’ na língua Kaingang. O cesto está em processo de criação e, possivelmente, será pintado com tinta natural, feita de carvão e cera de abelha jataí ou com jenipapo. Na nossa pesquisa, descobrimos que a anilina, pigmento atualmente utilizado pelos Kaingang, é altamente tóxica, o que prejudica a saúde dos artesãos. Por causa disso, estamos propondo o uso de tintas feitas com plantas”, anuncia a aluna da UEM.

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Nesse sentido, também são desenvolvidos os trabalhos do quinto grupo, formado pela estudante Kaingang no curso de Pedagogia, Elvira Crespim, Gabriela Bianchi, do curso de Artes Visuais, e Michelly Oliveira, aluna do mestrado em Agroecologia da UEM. As três realizaram testes com crajirú (arrabidaea chica), uma planta conhecida pelos Kaingang como “penu vá pé”. “O vegetal era amplamente utilizado antigamente pelos Kaingang e não oferece riscos à saúde dos mesmos, além de não necessitar ser comprada, já que existe em abundância na Terra Indígena”, informa Michelly.

Conhecimento aplicado – A professora Sheilla destaca que “a base teórica do nosso curso é a metodologia de pesquisa em poéticas visuais, porque se trata de estudo sobre processos criativos. Mas, também, utilizamos as reflexões sobre o pensamento decolonial e uma crítica ao episitemicídio. Esse termo define a influência da colonização europeia, e branca, sobre os processos de produção e reprodução da vida. Há muitos séculos a cultura europeia permanece como a principal, a única supostamente com valor relevante, que desconsidera as demais culturas. Nosso trabalho visa reverter o preconceito em relação aos povos indígenas, inserindo seus conhecimentos como parte integrante de nossa identidade e cultura”.

“Este projeto de extensão representa muitas outras ações desenvolvidas pela UEM com os indígenas de nossa região e que envolvem o passado, o presente e o futuro dos povos tradicionais originais”, concluiu a pró-reitora de Extensão e Cultura da UEM, Débora de Mello Gonçales Sant’Ana.