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Artigo escrito por professor adjunto de Saúde Coletiva pela UEM analisa o SUS e sua estrutura de suporte para o enfrentamento à pandemia, sugerindo aproximação de setores para que trabalhem de forma integrada: áreas tecnológicas, ciências básicas e saúde assistencial

Muitos perguntam se estávamos preparados. A questão é: “O que é estar preparado?”.     ‌

Para alguns, estar preparado seria ter leitos hospitalares e suporte de UTI para “quando fosse necessário”. Para outros, disponibilizar milhões de equipamentos de proteção individual (EPI), sugestões que além de inócuas, se afastam da viabilidade de execução, até mesmo como plano de reserva.

É claro que deveriam existir planos emergenciais, porém, no que eles devem se sustentar? Nossa opinião é que os planos devem ser centrados no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de sua atuação em rede entre nas cidades, vilas e comunidades. O SUS cumpre este papel por ser universal, pela assistência em vários níveis de complexidade, pela regionalização que diferencia cada realidade e importância do território e pelo profundo compromisso social com a população.‌

Porém, nos últimos anos, o SUS tem sido alvo de sistemáticos ataques e profunda desvalorização, com importante redução de financiamento, associado a um agressivo processo de privatização. Devemos ressaltar que países em que os sistemas nacionais garantiam assistência também sofreram desmonte gradativo, como na Inglaterra, e as possibilidades de criação de um sistema universal, como nos Estados Unidos, foram sistematicamente abortadas por força de interesses privados.‌

Poderia toda a estrutura do SUS ter participado do controle da expansão da epidemia, embora saibamos que as ações executadas partiram de órgãos de gestão orientados pelos princípios do SUS?‌

Sim, isto poderia ter acontecido, pois temos conhecimento pelo histórico de ações em todo território nacional, por ter criado uma massa crítica intelectual que definiu conceitos relacionados a sistemas nacionais, por uma robusta literatura associada às práticas comunitárias, como os modelos de atuação da Estratégia Saúde da Família e todas as ações que integram suas atividades. Mas isso não ocorreu.

Voltando à questão da logística, poderíamos fazer mais?‌

Evidente que sim, porém necessitamos manter programas de formação de pessoal em todos os níveis, valorizar os agentes comunitários de saúde (ACS) e todos que trabalham na ESF, numa perspectiva de ser atuantes na primeira linha de combate às pandemias, o que até então não ocorreu.

Parece pouco razoável que a linha de combate ao vírus esteja centrada na rede hospitalar. Quando esta é a única alternativa, nossas possibilidades de salvar vidas tornam-se muito restritas. Deveríamos nos antecipar dando às equipes da ESF papel decisivo nesse processo, mas ainda falta esta compreensão e treinamento às equipes para assumir como suas as tarefas do enfrentamento, como o fazem em dezenas de outras situações.‌

Por exemplo, a vigilância junto às comunidades poderia ter sido feita tendo como centro as unidades básicas de saúde (UBS), desde que tivéssemos no planejamento das equipes a forma de atuar, garantindo a segurança e a saúde dos trabalhadores, orientando nos casos menos complicados e reconhecendo e encaminhando casos graves, papel já cumprido pela UBS regularmente. Respeitando as diferenças e dificuldades locais, é o momento do avanço na formação destes trabalhadores da saúde.‌

Quanto às tecnologias de apoio às áreas hospitalares, estamos com enorme potencial absolutamente inerte por falta de políticas e financiamento, em especial nas universidades públicas.

O enfrentamento à pandemia tornou-se uma oportunidade de aproximação de setores para que trabalhem de forma integrada: áreas tecnológicas, ciências básicas e saúde assistencial.

Um exemplo é a criação de modelos de equipamentos de suporte ventilatório aos pacientes. Como divulgado nas últimas semanas, foram criados aparelhos versáteis e de baixo custo, mas para serem usados em humanos precisamos de tempo para testes que garantam a segurança dos pacientes.‌

Há anos lutamos por essas verbas e por linhas de pesquisa que favoreçam a aproximação interdisciplinar, o que poderia resultar em pesquisas, patentes e maior valorização do papel social da universidade. 

Quanto às equipes, temos acumulado nos últimos anos um trunfo que é um sistema em rede com capacidade de chegar até os locais em que as pessoas vivem e trabalham, capilaridade esta que nos ajudou a consolidar alguns conceitos, como o das tecnologias que valorizam o acolhimento e o vínculo entre a equipe e a população, chamadas pelo professor Emerson Mehri de tecnologias leves, em contraposição às tecnologias duras, como os equipamentos hospitalares. As Linhas de Cuidado e Planos Terapêuticos interagem entre estes dois polos como tecnologias leve-duras.

A sugestão é que a rede esteja preparada para se estruturar e responder, de forma ágil, às novas necessidades e que esse processo se inicie na graduação da área da saúde para estes profissionais. Também habilidades devem ser desenvolvidas para formar pessoal técnico, sempre numa perspectiva interprofissional pautada por práticas colaborativas.

O que devemos mudar para o futuro?‌

Entendemos que deve entrar na pauta de todos os gestores a criação de planos de contingência nas esferas nacional, estadual e municipal para a área da saúde, formando um conjunto de ações a ser implementado de forma ágil e ordenada para responder a situações de emergência epidemiológica. 

É fundamental investir no SUS enquanto rede, com tecnologias de cuidado na APS, associando desenvolvimento de tecnologias de suporte avançado na área hospitalar, com centros na pesquisa com recursos específicos para tal, assim como para a formação e preparo de pessoal, valorizando todas as categorias profissionais.

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*Edson Arpini, professor adjunto de Saúde Coletiva pela UEM, doutor em Ciências – Ensino em Saúde pela Unicamp, mestre em Medicina pela UFRJ, supervisor da enfermaria de pediatria HUM/UEM.