Artigo da professora Sõnia Trannin de Mello* fala do desafio em manter a saúde mental diante do atual cenário
A pandemia do coronavírus nos expôs a dois grandes medos: nossa fragilidade perante a vida e a insegurança financeira. Convido você leitor a uma reflexão sobre o que podemos fazer para manter nossa sanidade mental neste momento de grande desafio. O isolamento social não é uma tarefa fácil para nenhum de nós, haja vista que um dos fatores que permitiu a nossa espécie chegar aonde chegou, em termos de evolução, foi a formação de grupos, que, além de fortalecer cada membro individualmente ainda ofereceu possibilidade de apoio, amparo e amor. A iminência da perda dispara em nós o sentimento de luto, constituído por fases de curta ou longa duração, podendo ser bem marcadas ou não. Resumidamente, são elas: negação, raiva, tristeza/depressão, aceitação e (re)construção.
A negação nos ajuda a sobreviver. Neste momento são comuns autoquestionamentos de como podemos continuar, se podemos continuar e por que deveríamos continuar? Na sequência entramos na fase da raiva, sendo comum que outros sentimentos se misturem a ela, podendo, inclusive se estender a pessoas próximas ou distantes. Por servir como âncora, para nos estruturar, é considerada importante para o processo de cura. A fase de barganha/culpa nos leva a buscar caminhos e possibilidades na tentativa de negociar uma saída para o problema que nos aflige. Já a fase da tristeza/depressão, apesar de vir acompanhada dos sentimentos de impotência e paralização tem sua importância por nos colocar no presente. Finalmente, a fase de aceitação/(re)contrução nos permite aceitar a realidade, mesmo não gostando e marca o início da construção de um futuro, podendo ser rica em possiblidades.
A notícia sobre o primeiro óbito pela Covid-19, aqui no Brasil, foi em 17 de março e, cerca de quatro dias depois, os casos confirmados, quando comparados a outros países, ultrapassaram as predições mais pessimistas. Os desequilíbrios emocionais e comportamentais começaram a rondar os lares e as empresas, caracterizando a fase de negação para a maioria dos brasileiros. Estresse contínuo altera nossa fisiologia promovendo agitação, insônia, ansiedade e até confusão mental. Mas todas essas alterações acontecem antes no cérebro e para facilitar o entendimento, vamos falar primeiro de situações corriqueiras.
Qualquer pessoa pode ser acometida por um estímulo de medo, real ou imaginário, que aciona várias estruturas do cérebro, simultaneamente. Amígdala, tálamo, hipotálamo, córtex pré-frontal e hipófise, com o objetivo de preparar o corpo para se defender, iniciam adaptações fisiológicas lideradas por neuro-hormônios como o cortisol, adrenalina e endorfinas. Passado o perigo, o cérebro volta a agir, só que agora no sentido de restabelecer o equilíbrio fisiológico que permite a manutenção de nossa saúde física.
Em relação a nossa saúde mental, podemos simplificar em dois sistemas que operam em conjunto. Um, rápido e automático e outro, consciente e com habilidades para as escolhas. Deste modo, em condições normais, nosso cérebro mantém a saúde física e mental, adaptando-se às necessidades internas e externas. Todavia, quando muda o cenário, aumentam as demandas sobre o cérebro, gerando alta carga de estresse negativo, diminuindo sua competência para recuperar o equilíbrio fisiológico.
Pesquisas recentes na China, sobre a Covid-19, encontraram relatos de insônia, falta de foco, baixa produção, irritação, diminuição da empatia, do limiar de tolerância para com o outro e aumento da agressividade. Esses sintomas contribuem para exacerbar os conflitos familiares e corporativos.
Independente das inúmeras possibilidades de conexões virtuais a nossa disposição, lidar com o isolamento social e quarentena, com a incerteza (ou certeza para alguns) de alimentos à mesa, da retomada do trabalho e economia geram medo, angústia e paralisação. Esse conjunto de fatores alimenta e exacerba sintomas de solidão em cada um de nós. A solidão possui efeitos devastadores em nossa mente e comportamento, porque advém, entre outras coisas, da percepção de que estamos sozinhos, mesmo entre familiares ou em meio a uma multidão.
Entre 2012 e 2016, foram coletadas postagens do Twitter de usuários da Pensilvânia (EUA), que continham as palavras 'solitário' ou 'sozinho'. Os resultados mostraram presença significativa de temas que abordavam relacionamentos interpessoais difíceis, sintomas psicossomáticos, uso de substâncias, insônia e desejo de mudança. Os conteúdos das postagens também foram associados a sentimentos de raiva, ansiedade e sintomas de depressão.
Por outro lado, importante frisar que pessoas com histórico de doenças psiquiátricas pré-existentes e trabalhadores da área da saúde, que estão atuando na linha de frente, apresentam maior sofrimento psicológico após sofrer algum tipo de trauma e, certamente, precisarão de suporte extra, durante, e após a quarentena, evidenciam outras pesquisas.
A esta altura você poderá estar se perguntado: Por que as diretrizes científicas nos pedem para ficar em isolamento social e quarentena, já que a solidão traz tantos males para nossa saúde? Porque em situações de calamidades públicas são pesados os prós e contras de todos os protocolos disponíveis. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS) entendem que os prejuízos causados pela rotina normal de contato humano, serão muito maiores do que os causados pelo isolamento social. Ambos causam danos, mas abrir mão da quarentena poderá levar à morte milhares de pessoas.
Seguindo essa linha de pensamento, verificamos que situações de calamidades públicas, muitas vezes exigem novas ideias e ações no pensar e agir de cada indivíduo. Mas nada é tão simples assim e sabemos que novas ideias e ações não surgem apenas do desejo de controle ou de mudança. Neste momento, o melhor que podemos fazer é entender e aceitar que, mesmo que não tenhamos nos dado conta, o estresse está presente, promovendo alterações negativas em nossa saúde mental.
Já existem dados publicados sobre os efeitos do isolamento social na saúde mental dos chineses. Foram piores nas pessoas que viram a quarentena como uma imposição, não a aceitando voluntariamente. Por outro lado, aqueles que a entenderam como uma medida de segurança, mostraram maior otimismo e equilíbrio em relação ao futuro, sugerindo que tomar consciência da situação, mudando a mentalidade sobre o porque devemos nos isolar, buscando aceitar que o mesmo é um gesto de carinho para conosco, para com os que amamos e para a sociedade podem ser importante ferramenta para o enfrentamento desta crise. Reforçam que adotar essa mentalidade, de forma genuína, pode minimizar os efeitos negativos sobre a saúde mental de todos nós.
Entendo que gestores e professores de escolas e universidades públicas ou privadas, governantes, empresários, mães e pais devem também se responsabilizar em oferecer informações e orientações sobre os motivos da quarentena, as formas de contágio e prevenção, com objetivo de reduzir o pânico causado pelas fake news, além de contribuir com dados reais para que as pessoas que se encontram sob suas guardas, iniciem hoje, a construção da base de seus futuros.
A pandemia claramente teve e continuará a ter impactos profundos nas famílias, corporações, saúde e na economia. Todavia, acredito que ao tomarmos ciência desta realidade daremos início ao processo de construção de um futuro rico em possibilidades, mais generoso e menos sofrido. Juntos, seremos sempre mais fortes!
*Sônia Trannin de Mello integra o Grupo de Estudos de Evidências Científicas em Covid-19. Professora associada do Departamento de Ciências Morfológicas da UEM, ela é especialista em Neurociência e Comportamento (cursando), mestre em Anatomia Funcional Estrutura e Ultra Estrutura e doutora em Ciências Biológicas (Biologia Celular).