Da esquerda p/ direita: Gustavo Lukasievicz, Nelson Astrath, Mauro Baesso e Luis Carlos Malacarne

Os cientistas conseguiram quantificar, com precisão, qual é o impacto que um feixe de luz laser exerce sobre os objetos, um fenômeno que vem sendo discutido nos últimos 100 anos.  


Um grande número de efeitos é induzido quando a luz interage com a matéria e cientistas do mundo todo têm dedicando anos de pesquisa para comprovar tais fenômenos. O estudo neste campo já rendeu, inclusive, o Prêmio Nobel de Física de 1997, ao cientista Steven Chu, e de 2012 ao francês Serge Haroche e ao americano David J. Wineland.

Agora pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá (UEM) também entram neste cenário trazendo uma contribuição importante para toda a comunidade científica ao conseguir quantificar qual é o impacto que a luz exerce sobre a superfície da água. O resultado desta pesquisa acabou de ser publicado na Revista Nature Communications.

Trata-se de um fenômeno que vem sendo discutido nos últimos 100 anos o que leva a pensar que a descoberta ganhe alta repercussão no meio científico.  Não por acaso, afinal a quantificação do efeito de interação entre luz e matéria serve como guia para dimensionar outros tantos tipos de experimentos.

O professor Nelson Astrath, que deu início ao projeto de pesquisa durante seu estágio de pesquisador visitante na Universidade de Utah, nos Estados Unidos, está seguro de que o estudo vai contribuir para avanços tecnológicos em vários campos da ciência. Astrath cita a pinça ótica, que usa a luz para manipular a matéria em nível atômico.

“Por meio do gradiente de força formado por um feixe de luz estruturado, o equipamento é capaz de aprisionar e mover partículas muito pequenas, nos tamanhos microscópicos e nanoscópicos”, explica o físico destacando que o cálculo preciso da força que a luz exerce sobre as partículas, garante a exatidão na manipulação das mesmas, utilizando-se a pressão da radiação para deslocá-las de suas posições originais. “Isso possibilita arquitetar novas estruturas moleculares que possam apresentar novas funções de interesse para aplicações tecnológicas", reforça Astrath.

Além dele, participam do grupo de pesquisa os professores Luis Carlos Malacarne e Mauro Luciano Baesso.

Caminho trilhado - Um dos efeitos da interação entre luz e matéria é o aquecimento e, consequentemente, a deformação do material, conhecida como termoelasticidade. Os pesquisadores da UEM têm trabalhado nesse campo da física há vários anos. Ao longo da pesquisa, o grupo introduziu a técnica denominada de Espelho Térmico, a qual demonstrou ser capaz de medir deformações induzidas por laser em materiais sólidos na escala nanométrica. A técnica, que acabou abrindo a trilha para chegar aos resultados da pesquisa atual, gerou um número grande de trabalhos contendo aspectos teóricos e experimentais, que têm sido publicados nos melhores periódicos internacionais da área.

“Em determinado momento nos perguntamos se a técnica que tínhamos desenvolvido seria capaz de detectar efeitos de pressão de radiação”, explica o professor Malacarne. Ele conta que depois de algumas tentativas em medir o efeito em cristais altamente transparentes, o estudo foi redirecionado para o experimento introduzido pelos físicos norte-americanos Ashkin e Dziedzic (Physical Review Letters, 1973), sobre o efeito de um feixe de luz laser atravessando a interface entre o ar e a água.

O trabalho feito por Ashkin e Dziedzic apenas confirmou o acordo entre teoria e experimento na determinação do efeito da deformação que o laser induz na superfície da água. Ou seja, se é côncavo ou convexo. A pesquisa dos físicos da UEM gerou dados numéricos e experimentais altamente detalhados não só para o estado estacionário da deformação, mas também para a dinâmica exibida durante todo o processo de interação. Para isso, foi utilizado o sensoriamento moderno e tecnologia de computação.

“Após mais de três meses de experimentos, conseguimos detectar o efeito empregando mesas ópticas antirruído e um sistema de detecção completamente controlado de maneira remota. Esse sistema é inovador e conta com dispositivos eletrônicos de alta precisão. A partir daí, confirmamos a reprodutibilidade das medidas experimentais”, diz Malacarne. Segundo ele, “com os resultados do nosso trabalho é possível afirmar que a compreensão da transferência de momento da luz ao meio dielétrico (água) foi desvendada”.

Concordância quantitativa - Mauro Baesso reforça que o resultado obtido foi a primeira medida na qual experimento e teoria apresentam concordância quantitativa. “Esse resultado é importante para confirmação da força exata a ser usada na formulação de outros experimentos, em especial na manipulação de estruturas biológicas como o DNA”, diz. 

Nelson Astrath comenta que a pesquisa teve financiamento do CNPq, da Capes e da Fundação Araucária. O pesquisador menciona que apesar de ter tido a colaboração do cientista norte-americano, Stephen E. Bialkowski, da Universidade de Utah, os experimentos e a descrição teórica foram totalmente realizados nos laboratórios do Departamento de Física da UEM. O trabalho ainda teve a participação do ex-aluno de doutorado, Gustavo Lukasievicz, hoje docente da Universidade Federal Tecnológica do Paraná.

Suporte teórico - O fato da luz possuir energia é facilmente aceito uma vez que pode ser observado em situações do nosso cotidiano. Por exemplo, ao sair ao sol em uma manhã fria de inverno, observamos que em poucos minutos somos aquecidos.  Ou seja, calor aqui é sinônimo de energia. Mais complicado é a percepção de que a luz também exerce força sobre a matéria, pois a grandeza neste caso é muito menor. O primeiro cientista a suspeitar que a luz transportava momento e era capaz de exercer pressão sobre os objetos foi o físico e astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630). Ele observou que a pressão dos raios solares atuava sobre a cauda dos cometas deslocando-a da sua trajetória sempre para a direção oposta à do Sol.

Pela física quântica, um feixe de luz não tem massa e é composto de pacotes (fótons) de energia. Mesmo assim, um feixe movendo-se no vácuo, na velocidade da luz, carrega um momento (quantidade de movimento), visto que pela teoria da relatividade restrita (publicada por Albert Einstein), um corpo de massa de repouso zero apresenta uma relação entre energia e momento linear.  No entanto, a relação para descrever o momento da onda eletromagnética (fóton) em meios transparentes, no qual a velocidade da luz é reduzida inversamente proporcional ao índice de refração do meio, não é única e gerou uma controvérsia por mais de um século. Propostas formuladas por Minkowski (1908) e Abraham (1909) para o momento do fóton em um meio dielétrico levaram a previsões conflitantes, sujeitas a intensa discussão, inclusive envolvendo físicos renomados como Albert Einstein.

O ponto de vista mais aceito, até hoje, é que o momento total da onda eletromagnética propagando em um meio dielétrico consiste da componente eletromagnética e da componente correspondente à resposta do material. Apesar da conciliação teórica, somente experimentos limitados relacionados com a transferência de momento entre a onda eletromagnética e o meio foram efetuados até aqui e, na maior parte, de forma qualitativa.

Por isso mesmo, o resultado obtido pelos pesquisadores da UEM representa uma contribuição significativa na compreensão dos efeitos das forças de radiação em dielétricos.

Saiba mais:

Nature Communications 5, 4363, doi: 10.1038/ncomms5363

http://www.nature.com/ncomms/2014/140707/ncomms5363/abs/ncomms5363.html  

Para mais informações do trabalho do grupo, veja site: http://lightmattercenter.wix.com/lightmatter e https://www.sites.google.com/site/geffuemdfi/.